quarta-feira, 2 de maio de 2018

ABRIGADO NO SILÊNCIO EVITERNO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

(Para Fáh Butler Rodríguez)
  
Em sonho!

O sidéreo poeta em dor...

Abrigou-se no silêncio eviterno!

Dispersou-se...

Na excelsa noite outonal!

Ao som ignoto...

De todas as sinfonias noturnas!

Em total êxtase...

Embriagado...

Pelo eflúvio da dama da noite!

***

O aedo imortal criou sintéticas asas!

E de mãos dadas...

Com a sacrossanta musa

Alçaram um ignoto voo!

***

Vem consorte meu...

Juntos alcançaremos os astros...

Trespassam...

Para além do cosmo infindo.

Perpetuamos...

O nosso sideral amor...

Para todo o sempre...

***

O sibilino poeta em dor!

Abrigou-se no silêncio eviterno!

Dos seus profanos versos!

***

Nessa hora ancestral…

O enamorado poeta em dor

Perdeu-se por completo!

E em sonho reencontrou-se...

Nos sibilinos braços.

Da sacrossanta musa imortal!

***

Abrigo-me

No silêncio eviterno teu!

Meu abstrato aedo

Em vão espero-te!

Pelo que não vem...

E que nunca virá

***

Em sonho!

Conclama o nome teu

Abrigo-me no silêncio eviterno

Durma para nunca mais acordar

Por fim


FAZ UM PACTO COMIGO

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

(Para negra Valquíria)

Ficamos nós dois mudos!

Calados!

Inertes!

Absortos!

Depois da hora derradeira.

Bem depois do amor...

Quando as primeiras impressões,

Dissiparem-se por completo.

E não sobrar mais nada...

De nós dois!

E tu ter me esquecido,

Completamente!

***

Hei! Não chore assim!

Faz um pacto de sangue comigo.

De não nos amarmos mais!

Quando o carrasco vier nos buscar.

Quando o destino nos afastar.

Para todo o sempre!

***

Faz um pacto de silêncio comigo!

Silenciamos!

O nosso amor clandestino.

Para que os deuses.

Tenham piedade de nós.

***

Hei! Luz da minha vida...

Não sonhe mais comigo.

Em horas impróprias...

Não digas furtivamente!

Para mais ninguém...

Que ainda me amas.

Não digas para os outros...

Que ainda sonhas comigo!

Em horas extremas.

***

Fui eu que deixei...

As cinzas das horas...

Levar o meu platônico amor!

Por ti.

Minha divina Luna!

E o olhar da Medusa...

Sepultou o meu profano amor

Por ti…

Para todo o sempre.

Minha Beltia imortal...


OUÇO ISSO COM TRISTEZA

Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)

Porque ainda temas em dizer me, que me amas,
E que o teu amor é o mais puro do mundo!
E que a minha fisionomia está sempre diante de ti,
E por isso não podes esquecer-me nem por um segundo.

***

Ouço isso com tristeza prima da hipocrisia,
Pois quando estávamos juntos, fingias amar-me!
Usando uma formula que na verdade!
Eu já conhecia.

***

Acredito teres algum curso de teatro!
Ou quem sabe vês muita novela...
No momento vejo-te como uma atriz,
Representando o papel duma delas.



FERRO DE BRASA


Por Vivaldo Terres (Itajaí, SC)

A vovó era simpática,
Morava aqui na Comasa.
E passava toda a roupa,
Com o seu ferro de brasa.
***
Quando chegou o ferro elétrico,
Começou a reclamar
Dizendo este ferro não esquenta
Como é que vou passar?
***
Como é que irei passar...
O terno do João?
E o vestido da Geralda?
Este ferro não esquenta
As roupas ficam amassadas.
***
E era assim todas às vezes
Que a vovó ia passar
As roupas que precisava
Sempre a questionar.
***
Foi então que mamãe disse
Já de tanto intrigada,
Este ferro esquenta sim
A senhora é que não está acostumada.
***
Mas resolveu em segundos
Problema de quase um mês,
Depressa foi na dispensa,
Trouxe o de brasa outra vez."

AS TRÊS CANTARINHAS


Por Humberto Pinho da Silva (Porto, Portugal)
  
Tenho, na gavetinha das recordações, três lindas cantarinhas; cada qual a mais graciosa.
Três bonitas cantarinhas, autografadas.
Recebi-as numa tarde soalheira de maio, cheias de sol e amor.
Uma, deu-ma rapazinho, que partiu para não voltar. E se voltar, será transubstanciado em: luz e amor.
As outras duas, recebi-as de lindas e virtuosas meninas, com carinho e amizade.
Naquela tépida e longínqua manhã de Maio, deambulava, distraído, entre milhentos cestinhos, repletos de cantarinhas.
Eram todas em miniatura; todas pequeninas; todas de barro bem vermelhinho. Pintadas com amor e carinho.
Raparigas travessas, banhadas de sol, e saias garridas, soltavam gaias gargalhadas, e, mirando-me de soslaio, perpassavam por mim.
Mocinhas sisudas, de saias compridas, e olhos baixos, reclinavam, recatadas, os rostos trigueiros, sorrindo…; mas nenhuma oferecia-me cantarinhas…
Tinham namorado; e as que não tinham, buscavam-no. Não eu; pobre solitário, que em dia de sol, de vento fresco e acariciador, passeava entre fogosa meninada, que comprava dúzias de cantarinhas.
Porém, ao pôr-do-sol, ao recolher da tarde, duas lindas meninas, brindaram-me com duas amorosas cantarinhas; pintadas a cores festivas, e gravadas a letra manuscrita.
Uma, é “alta”, esguia, e elegante, tem um: “T”, bem lançado; a outra, é baixa e graciosa, tem no “ largo” bojo, um: “G”, tremidinho.
Quase cinco décadas passaram. Passaram, também, ilusões e risonhos sonhos da juventude; mas, na gavetinha das recordações, há, bem aconchegadas, três cantarinhas, pequeninas, que três jovens, em tépido dia de Maio, ofereceram-me com carinho e amor.
Como é bom recordar! … Como é bom ver as cantarinhas! …Todas três embrulhadinhas. Todas três juntinhas, como estão as meninas, que mas deram, ainda, no meu coração…

A Feira das Cantarinhas, realiza-se no primeiro fim - de- semana de maio.

CARTA Nº 2 – DE ATAHUALPA PARA KATTY


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

Oi, Katty!

                                    Hoje de tarde fiquei pensando que deveria lhe escrever. Foi quando a gente estava voltando para casa e eu fiquei lembrando em tudo o que havia acontecido. A gente ir passear três vezes por dia na praia é rotina – sabemos os horários, os trajetos, os cheiros que poderão haver por lá – basta a Urda pegar a bolsa dos cachorros (onde, dentre outras coisas, há a minha capa vermelha para chuva) mais a corrente da Tereza Batista, e já saímos correndo para o portão. Algumas vezes ela não pega a corrente da Tereza, e então essa cachorrona que agora faz parte da minha família fica meio murcha, o rabo caído, pois já entende que não irá junto. Nessas ocasiões, primeiro Tereza Batista ficava toda triste esperando lá no portão – sabe como é, ela já sofreu muitos abandonos – como iria ter a certeza de que a gente iria voltar? Agora, no entanto, ela já sabe que a gente volta, e então, do portão ela retorna para a varanda e fica cuidando da casa.
                                    Mas há as ocasiões especiais, quando, ao invés de pegar a bolsa dos cachorros, a Urda pega a mochila dela, o que significa que vamos sair de carro. Como sou um ser já bem ajuizado, espero para ver se ela pega também a chave do carro antes de sair correndo, mas o Zorrilho, aquele pingo de cachorro, mal vê ela pegar a mochila e já sai fazendo a maior barulheira em direção à garagem, seguido da Tereza Batista aos pulos. É só ela abrir as portas do carro e nós entramos correndo, e cada um sabe o seu lugar bem direitinho: Tereza e Zorrilho no banco de traz, e eu no banco do carona. Como quase sempre a nossa vizinha Maria Antônia vai junto nesses passeios, é claro que ela me dá o melhor colo que um cachorro pode ambicionar, e até abre a janela do carro para o vento trazer todos os cheiros lá de fora para dentro.
                                    Vamos a muitos lugares, nesses passeios, como à praça do centro da Enseada, na agropecuária, na praia de Fora, tomar banho com a tia Lourdes na Barra do Aririú e em tantos lugares que nem dá para contar aqui. No Natal, fomos todos juntos, numa noite, ao Natal Luz da cidade de São José e nos divertimos muito! Noutro dia também passamos um dia inteirinho na praia do Raul Longo e o cachorrinho dele, o Chiquinho, que é uma nisca de nada, ficou apaixonado pela Tereza Batista! Nós quatro brincamos o dia inteirinho naquela praia maravilhosa que se chama Sambaqui e não houve nenhum problema – sabe como é, os homens daqui (e também algumas mulheres) tem medo da Tereza, pois no tempo em que ela não tinha dono e vivia na rua ela criou fama de cachorra mordedora. Hoje, no entanto, ela está que é uma lady, como diz a Maria Antônia – só se enfeza quando vê a gente que a maltratava no passado, e é por isso que sai de corrente para passear. A Urda sempre diz que a Tereza é uma academia de ginástica, pois ela se exercita muito segurando a corrente da grandona.
                                    E então passeamos por aí de carro, e a Urda e a Maria Antônia nos avisam quando vamos passar por algum cachorro para a gente latir, e também latimos muito num gado que vive num lindo pasto aqui perto – é assim, de um lado da estrada há o grande pasto, e do outro lado é a praia, e o carro fica parado para a gente poder latir bastante naqueles bichões. Claro que nós não iríamos latir para eles fora do carro, né? Há cada boi enorme!!!
                                    Bem, Katty, assim tem sido nossa vida por aqui. Nem contei da Domitila, que é uma gatinha que pensa que é cachorro e anda sempre atrás da gente pela praia, mas isto eu conto outro dia.

Carinhosas lambidas do seu amigo,
                                    Atahualpa.

Sertão da Enseada de Brito, 07 de Março de 2018.

AS VELHAS PÁSCOAS


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

Fico entristecida quando vejo o que a sociedade de consumo fez com a Páscoa: para a maioria das pessoas, hoje, Páscoa significa ir aos supermercados disputar ovos de chocolate anunciados como os mais baratos do Brasil, muitas vezes levando junto as crianças para que elas próprias escolham sua marca preferida. A magia e o encanto da Páscoa se dissiparam paulatinamente com o avanço do progresso, e eu tenho uma saudade imensa daquelas maravilhosas Páscoas da minha infância, tanta saudade que vou contar como eram.
Na verdade, a Páscoa começava muitos meses antes, quanto, em cada casa, as mães quebravam cuidadosamente só a pontinha de cada ovo usado, para guardar as casquinhas vazias. Elas eram lavadas, secas e armazenadas, e só de olhá-las já se criava uma expectativa a respeito da Páscoa.
Ainda antes da Semana Santa já se começava a preparar a Páscoa. Cada casquinha era decorada, e as formas eram muitas. Podia-se pintá-las com tinta a óleo ou outras tintas apropriadas que existiam, que lhes davam lindas cores vivas, ou podia-se decorá-las com tiras e tiras de papel de seda ou crepom picotados, que as deixavam com uma cara de gostosas! Essas eram as formas mais fáceis de decorar casquinhas – havia outras, é claro, mais sofisticadas, e resquícios delas ainda aparecem nas lojas especializadas nesta época do ano. Paralelamente à confecção das casquinhas, se faziam as cestas, usando papelão e muito papel colorido picotado e encrespado, serviço para noites e noites à volta do rádio. Algumas crianças tinham a felicidade de possuir cestinhas de vime, que eram reaproveitadas a cada ano.
Era necessário, também, preparar o amendoim, que a gente comprava com casca, descascava, torrava, tirava as pelezinhas, para depois a mãe da gente confeitá-lo com calda de açúcar, ato que por si só já gerava uma grande magia, com a criançada toda em torno do fogão prendendo a respiração para ver se a calda “dava ponto”. Depois era hora de encher as casquinhas, e fechá-las com estrelinhas de papel coladas com cola de trigo. De noite, misteriosamente, tudo sumia: o Coelho levava as guloseimas e as cestinhas embora para sua toca.
Faziam-se, também, os ovos cozidos pascoais. Colava-se folhinhas de avenca, de rosa, etc (com clara de ovo) em ovos frescos, os quais eram amarrados dentro de trouxinhas de pano e depois cozidos em águas com plantas que lhes davam cor. Marcela, casca seca de cebola e capim melado produziam ovos de três tons de amarelo; a batata de cebolinha vermelha produzia ovos vermelhos. Depois do cozimento, tirava-se a trouxinha e as folhas, e se obtinha belos ovos decorados para serem comidos no café da manhã de Páscoa.
Ah! A manhã de Páscoa! Na véspera, as crianças tinham feito seus ninhos, com palha ou capim, ninhos enfeitados com pétalas de flores e papel colorido picado, escondido no jardim. O despertar na manhã de Páscoa era uma loucura: corria-se para fora de casa ainda de camisola, a procurar o que o Coelho deixara. No ninho sempre havia alguma coisa, mas havia coisas também, escondidas em todos os cantos possíveis. Acontecia de a cesta da gente estar escondida dentro do galinheiro (todos tinham galinheiros nessa época), e aí havia outra surpresa: as galinhas brancas estavam azuis, ou verdes, resultado de paciente trabalho dos pais, durante a noite, que lhes pintara as penas com anilina. Nós não tínhamos vacas, mas nas casas onde as havia, as partes brancas do pêlo delas também eram coloridas com anilina, e tudo aquilo criava um encanto muito grande nas nossas mentes infantis. Era um ser maravilhoso, esse Coelho!
Nas manhãs já frias de Abril, voltávamos para casa com as cestas cheias de casquinhas e alguns espetaculares chocolates (chocolate, na época em que eu cresci, só era comido no Natal e na Páscoa), que eram contados e divididos igualmente entre todas as crianças. Ia-se à Igreja, a seguir, à missa das nove, e o ar fino e já frio de Abril estava totalmente impregnado de uma profunda magia, e a gente não via a hora de voltar para casa para começar a comer as guloseimas! Primos vinham brincar, nestas tardes de um tempo em que a Páscoa era tão maravilhosa, e a gente criava cenários fantásticos nos gramados verdes, onde os coelhinhos de chocolates e os ovos eram personagens.
Ah! Que pena que o espaço está acabando! Quanto, quanto ainda queira falar sobre as antigas Páscoas! Mas acho que já deu para dar uma idéia de que elas eram muito diferentes da Páscoa que a sociedade de consumo criou: qual é a graça de levar as crianças aos supermercados para escolher seu tipo de ovo preferido? Onde ficou a magia da espera e do Coelho?

Blumenau, 24 de março de 1996.

MELADO COM FARINHA


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

                                    É uma sexta-feira 13, e na minha cidade de Blumenau faz tanto calor quanto penso o tanto de calor que um dia senti em Cartagena das Índias, no Caribe Colombiano. Sobrevive-se, creio, por conta da magia do canto das cigarras, que lá fora, às centenas, parecem querer cantar até rebentar, e deixam na boca da gente um gosto como o chocolate que se come no Natal, quando se é criança.
                                    Então, num calorão destes, jamais imaginaria que estaria, faz algumas horas, a ter recordações dos ternos invernos da minha infância, dum tempo da minha vida em que tudo era tão diferente que nem dá para fazer comparações. E o que terá acontecido para me trazer o refrigério dos invernos do passado para dentro desta loucura de calor eivado de canto de cigarras?
                                    Acho que tudo aconteceu porque o tempo passou, e crescemos, e envelhecemos, e minhas sobrinhas e sobrinhos cresceram e tiveram seus filhos e filhas, e agora já é tempo de velhas vivências com os novos membros da família, que ensaiam seus primeiros passos na vida. Para encurtar conversa, conto que nesta semana estive acampando por três dias com três dos bisnetos dos meus pais, mais minha sobrinha Anna Paula. Era uma escadinha de crianças adoráveis, entre 3 e 6 anos, Valentina, Alice e Bartolomeu. Diogo não veio; Rafael ainda vai nascer em abril. Foram tantas as vivências nesses parcos três dias que penso que sempre terei mais o que escrever a respeito.
                                    Quando soube que haveria tanta gente para acampar e que iria armar minha barraca grande, bateu a preocupação: faltava aonde dormir, precisava de mais colchonetes. Pensei primeiro em comprar alguns modernos colchonetes infláveis, mas aí minha mãe, do alto dos seus 84 anos, me cortou a intenção: ora, deixaria ela os bisnetos dormirem em algo menos que a sua coleção de antigas cobertas de algodão em novelo, verdadeiras relíquias que ela guarda tão ciumentamente desde seus tempos de noiva? Não, claro que não – e ela tirou cada coberta do seu esconderijo, e passou toda uma semana a virá-las e revirá-las ao sol, fazendo o antigo algodão lembrar-se dos seus tempos de planta,e abrir-se em flocos, deixando cada coberta transformada em pura maciez.
                                    O acampamento passou com coisas inesquecíveis, como as crianças a irem dormir com receio do Saci-Pererê, por exemplo, e agora tento retomar a vida e organizar o que ficou a ser organizado. Antes de devolver as cobertas à minha mãe, no entanto, tirei suas capas brancas para lavá-las – e como foi grande o impacto dos primeiros invernos da minha infância que me chegou dentro deste dia de calor!
                                    Ela está aqui, a minha cobertinha de quando tinha menos de 4 anos. Dobrei-a e coloquei-a ao lado do computador, tamanha energia emana. Acabo de medi-la com uma régua: tem um metro de comprimento por 80 cm de largura, e ainda é do mesmo delicado tecido cor-de-rosa que era quando eu era tão pequena! Nem consigo mais definir o tecido: uma cambraia? Uma organza? Não sei; sei que é rosa clarinho, com filas de minúsculas florzinhas vermelhas e azuis, com suas minusculazinhas folhinhas verdes! Seria ela que teria me deixado para sempre este meu gosto pelas roupas cor-de-rosa, pelas coisas cor-de-rosa? Não sei. Sei que está tão frágil que seu tecido fino se rompeu um pouco, quando a dobrei, mas internamente deve continuar forte e quente, e é tão macia!
                                    Dentro do calorão e do som das cigarras viajei para aqueles meus primeiros invernos, para os dias sombrios com o som soturno das trovoadas, quando os pés ficavam gelados dentro das Alpargatas Roda enquanto eu espiava soturnamente os grandes, imensos mistérios da natureza lá fora.
Minha mãe era uma moça, naquele tempo – só eu é quem pensava que ela era velha. Naqueles dias de chuva ela sabia como distrair a criança que era eu - enquanto ela passava roupa a ferro ou costurava, colocava no chão minha cobertinha cor-de-rosa para que eu brincasse sobre ela, e me dava para comer a iguaria daqueles tempos: um pires com um pouquinho de melado e farinha de mandioca, junto com uma colherinha. Uma criança muito pequena levava a tarde inteira misturando o melado com a farinha, e comendo aquela coisa deliciosa! E as trovoadas, e as névoas, e os aguaceiros, e as garoas, e a escuridão precoce daquelas tardes tornavam-se ainda mais misteriosas e encantadas, porque havia o gosto bom do melado e o aquecimento macio da cobertinha cor-de-rosa, e aqueles dias se tornaram inesquecíveis na minha vida!
Agora, hoje, século XXI, tempo de edredons e outras novidades, dentro do calor de janeiro minha cobertinha cor-de-rosa ressuscita e me dá o maior baque de emoção – e revivo todo o cenário daqueles invernos onde usava casaquinhos de pelúcia vermelha, onde minha mãe costurava cantando hinos religiosos, e na minha boca, como há tantos anos não acontecia, como está forte, de novo, o gosto inigualável do melado com farinha dos dias de chuva!
Será que ainda devolvo essa cobertinha para a minha mãe?


                                    Blumenau, 13 de janeiro de 2006.

QUE ME DEVOLVAM MEU CORAÇÃO RASGADO E MINHAS VÍSCERAS ROMPIDAS


Por Urda Alice Klueger (Enseada de Brito, SC)

Já faz tanto tempo que o país começou a morrer, e eu com ele, que já não sei quando foi. Lembro do ano anterior, quando resolvemos ir ao Uruguai conhecer o Mujica no estreito espaço das férias coletivas de quase todo o mundo, o que significava sair no dia de Natal, e naquele ano, até o Natal, na cidade quente em que eu morava não viera o calor e não fora necessário ligar o ar condicionado. O calor chegou exatamente no dia 25 de dezembro; quanto mais rodávamos em direção ao sul maior o calor ia ficando, assim aquele calor que só se desfez no final de março.
No verão seguinte o calor não se fez esperar: estava inteiramente presente desde o primeiro de novembro, e não havia ar condicionado que chegasse. Dei-me conta de que algo estava errado quando fui a uma lan-house que havia perto da minha casa (onde também se tiravam xerox e outras coisas) e o dono, lá, xingava despudoradamente a Dilma, a presidenta que eu ajudara a eleger.
- Vaca! Nojenta! – e outros adjetivos do gênero dirigidos à nossa presidenta. Juro que até então estava inocente dos acontecimentos que começavam a dividir o Brasil em ódio, e muito surpresa, tentei defender a Dilma. O argumento do comerciante vizinho era a conta da luz: de pouco mais de cem reais no dezembro anterior, passara dos 500,00 reais no dezembro findo, e ele não instalara sequer uma tomadazinha nova. O homem era ódio puro, coisa assim para correr com a gente, e caí fora pensando na ignorância dele, que não prestava a menor atenção em como o ar condicionado fora ligado mais cedo por conta do calor. Tanta gente não dá a mínima para a natureza, lembrei de gente que nem sabia de que lado o sol nascia... Não passava de um ignorante. E era. Não prestava atenção em nada, a não ser nos veículos de imprensa que lia e/ou assistia e estava ali, vociferando discurso decorado, destilando fel por todos os poros. Eu via muita televisão, na época, mas via a Telesur, através de uma antena parabólica que possuía, e tão envolvida estava com a América Latina que não tinha prestado atenção ao quintal de casa, quintal esse que agora é quintal do grande capitalismo internacional.
Comecei a me ligar através daquele ignorante, e naquele ano as coisas começaram a explodir. Primeiro, foram as passeatas. Como todo o mundo estava fazendo, na minha cidade também fizeram e eu fui ver – historiador tem alguns compromissos na vida. Levara meu cachorro junto e então subi num banco com ele no colo, com medo que o pisoteassem, tamanha era a multidão. 15.000 pessoas desfilaram naquela noite, o que era uma imensidade de gente para uma cidade pequena, e eu fiquei atenta às suas reinvindicações. A maioria pedia pela federalização da universidade local e pela duplicação da BR-470 – na verdade, havia cartazes de todos os tipos, nada era definido, e não tenho lembrança de ter visto algum Fora Dilma. Fiquei tranquila quando, dias depois, um ex colega de serviço, que chegara a ser meu gerente, me encontrou na rua e me disse, extasiado:
- Pela primeira vez na vida estive numa passeata! Nossa, como me fez bem! – como se tratava de um sujeito que nunca soubera muito bem diferenciar a mão direita da mão esquerda, continuei tranquila.
Vieram os panelaços e tive que cortar do meu facebook madame a quem admirava muito e que confessou publicamente como tinha ficado feliz por protestar. Santo Deus, o povo tinha ficado cego? Não sei se um pouco antes ou pouco depois a loira burra que trabalhava na loja da esquina teve passagem de avião paga para ir a São Paulo (ou ao Rio?) mandar a Dilma tomar no c. Era loira, burra e muito bonita, adequada aquele papel. Imagina se colocariam lá uma mulata, por exemplo. Berrou até ficar rouca.
Em algum momento a coisa tinha ficado grande demais e houve aquela noite dos horrores, onde fiquei quatro horas seguidas olhando para a televisão, incrédula, aquela noite em que o Bolsonaro homenageou o coronel Ustra. Tão parva fiquei com o que aconteceu naquela noite que acabei escrevendo, sobre ela, um texto chamado “Pétreos e pútridos”, que anda aí pelo google.
Faz dois anos. E logo a seguir veio a noite no senado, e os pétreos e pútridos se repetiram, e a Dilma caiu e começou o grande assalto ao nosso país, coisa hoje sobejamente sabida, e o assalto veio diretamente ao meu coração e à minha capacidade criativa, e em dois anos escrevi menos de vinte crônicas, eu que tinha uma vida de correr atrás do tempo para dar conta de escrever tudo o que estava sempre em ebulição dentro de mim. Nenhuma delas teve a coragem de abordar este pesadelo que estamos vivendo – tenho escrito sobre cachorrinhos, infância, coisas assim que como que me salvam da grande desgraça aonde estou enterrada, aonde o meu Brasil está enterrado, aonde tantas partes da América estão enterrados, e quando começou lá em Honduras, acho que em 2007 e eu estava (e estou) tão solidária com Honduras, quando pensaria que aconteceria conosco também? E o ódio, esse ódio espargido por todos os lados – céus, como se sobrevive a uma coisa assim? Até escrevi um livro aí no meio, que sai a público em poucos dias, com o sugestivo nome de “No tempo da magia”, nome bem adequado para quem não está suportando a realidade.
Eu quero a minha vida de volta, o meu coração de volta, a minha sensibilidade de volta, Sou uma pessoa rasgada, vísceras comidas pelo mal do entorno, e já não sei viver assim.

Sertão da Enseada de Brito, 17 de abril de 2018.

ETERNO POR INTEIRO

Por José Luiz Grando (Itajaí, SC)


Que perca -se o tempo por inteiro,

Em meio ao amor,

Invisível, em terreno fértil de almas eternizadas

Por todo acaso

***

Nascemos ferozes, corajosos,

Como reis gloriosos,

Que curvam-se aos gritos consagrados

Daqueles que amam calados

***

Doce vida, promulgada de sentimentos místicos,

Fantasiada de alegria

Em um palco espetacular de falsa felicidade

***

Encantados com o sabor,

Inebriados com o amor,

Que vivamos por clamor, orando por amor



REBELIÃO DE AMOR

Por José Luiz Grando (Itajaí, SC)


Rebelião de amor

Rebeliões para saborear o amo,

Nos mantêm sob a lucidez amarga

Da vida solitária

Despejo sobre o luar

Todo meu carvalho de bons sentimentos,

Pareados com a estrela da tua alma

Despido de toda fantasia

Que compõe a minha alegoria viva em espírito,

Perdoo para também não ser ...




A MENINA E SEUS SONHOS


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

Por entre as linhas
Rabiscadas de um sonho,
Nem de longe louco
Apenas um pouco
Ofuscado por
Caminhos tortos
A menina sonhou
Como se não houvesse
Realidades e suas
Crueldades!



TEMPO DE COLHER


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

O tempo vai passando… Ele não se permite ficar parado. Nem ficar na fila.
Seus gritos são sempre de libertação. Ele não se prende há nada. Já pensou nele como um ser vivo? Já pensou ele em 25 de março de 1854? Ele correria não aguentaria ver pessoas escravizadas. Privadas de suas escolhas e liberdade.
Como em pleno século XXI. Achas que o tempo fica aqui com tantas injustiças? O tempo passa pra avisar que a vida não espera e não cabe espaços somente para sofrimentos.
O tempo de esperas agora é de colheita. Plante coisas boas para colher o que há de melhor! Não espere e não deixe que te impeçam de andar. Ande com o tempo.



DESISTIR JAMAIS!


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)
  
Buraco Vazio
Bem...
Até então tudo era fruto da criação, o modo como fomos educados. Mas vejo que é também pelo modo que os indivíduos são nos apresentados. Muitos de nós têm uma visão distorcida uns dos outros. E com a ignorância das pessoas surge o preconceito.   Como você vai virar gay conversando com um gay? Como ela vai deixar de ser mulher pelo simples fato de uma limitação física? Você é melhor que o outro indivíduo? Cada vez mais algumas coisas deixam de ter sentido. E há quem fale de amor brincando de amar.
E assim podemos dizer: Já eram se os sonhos. Bobos, mas sonhos!
Assim fica a matéria, o corpo perfeito, a sociedade com seus padrões e a ignorância. No meio disso tudo um buraco vazio.



RESUMO DA VIDA


Por Clarisse da Costa (Biguaçu, SC)

            Tudo se resume à "você mora longe". Queria saber o que fariam as pessoas se estivessem num período em que o meio de transportes eram as charretes. Se bem que sem internet teriam de qualquer forma sair da comodidade de suas casas. Sem falar que teriam que pedir perdão ao padre por terem beijado na boca. Só fico pensando como seriam os nudes daquela época. Na verdade nem haveria devido o fato do pudor. A cena que mais imagino é a senhorita ouvir ela ser chamada de "delícia".
            Ela tira sua luva e bate na cara do cavalheiro por desrespeito a sua honra. Também pudera comparar mulher a comida? Porque pra ser delícia ela deveria ter algum sabor! Estamos na era tecnológica e muitas coisas parecem decair. Cadê o romantismo? Cadê a coragem de se arriscar por amor? Cadê a atitude? Cadê o olhar e o gesto respeito? E há quem reclame do fato de se estar sozinho.
            O celular tem sido mais importante que o contato físico! Que gosto tem de beijar pelo celular? Dá para abraçar um amigo ou um familiar? O absurdo disso tudo é as pessoas acreditarem que Deus tem celular e vai ficar incomodado em você não enviar aquelas mensagens fofas de compartilhamento. Nossa, a minha sorte não está no trevo de quatro folhas! Eu não compartilhei a última mensagem para as 20 pessoas que eu conheço. Será que é por isso que eu não arrumo namorado?