quarta-feira, 1 de março de 2017

MAIS UMA VEZ CLARISSE CRISTAL

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Dá-me a tua delicada mão!
Vamos juntos...
Vagar pelo infinito.
***
Vem luz da minha vida!
Quero me perder...
Nos teus olhos verdes infindos!
Mergulhar nos teus trigais cabelos
***
Quero passear pela infinitude...
Do teu ser imortal
Descortinar-te por inteiro...
Desvendar o teu ser absoluto
Por fim


A nova Clarisse reapareceu na livraria, parcialmente repaginada. Com o cabelo bem curto e pintado de vermelho pitanga, deu adeus ao longo cabelo preto e reluzente. Um piercing ornamentando a orelha direita, uma tatuagem de dragão que cuspia fogo, que nascia no ombro esquerdo, serpenteava até o fim do antebraço, a pesada maquiagem desaparecer por completo. O sobretudo preto godê inverno ficou sabe-se lá onde, perdeu-se para sempre no tempo e no espaço. Contudo, as vestes escuras como a noite, ainda reinavam soberanas no corpo hialino da jovem bibliotecária, as mesmas que mais tarde dariam adeus. O fato de sair e voltar pela porta da frente e plena luz do dia, o sorriso radiante no rosto e o brilho no olhar denunciavam mudanças profundas e drásticas. Em suma, Clarisse Cristal era uma típica criatura de noite que invadira o dia em definitivo. Ela voltou para o ponto de partido, a livraria seu sagrado local de trabalho e estava com o firme propósito de saber o destino do livros As cinzas das horas.
— Desculpem minhas doces crianças do leste do Éden, meus pequenos arcanjos e querubinas, mas demorei muito para retornar do Café ivory tower! — A voz alta e estridente de Clarisse percorreu toda a livraria. Todos pararam para olhar a moça parada na porta de livraria. Passado o susto inicial todos voltaram para o que estavam fazendo. A senhora do cafezinho vestida elegantemente prosseguiu a sua marcha para a copa, o operador da fotocopiadora abaixou a cabeça, voltou para operar a fotocopiadora de forma mecânica e sonolenta, o subgerente da livraria, com seu paletó impecável não presenciou a cena, estava muito ocupado no escritório no piso superior a receber vendedores, os dignos representantes do mercado livreiro e bem como as estagiárias e os estagiários que só trabalhavam no período da tarde.
Clarisse viu, a poucos metros dela, Anna Victória atender um elegante e exótico casal, estavam os três parados diante balcão de embrulhos para presentes, sem notar da presença dela. Uma jovem balconista estava de costas, alheia a tudo e a todos, procurando algo na estante de embrulhos. Os olhos de Clarisse se detiveram no casal, a mulher uma jovem senhora de meia idade, tinha a pele alvíssima. Uma teuta de cabelos louros, curtos, seios fartos, olhos verdes bem vivos, uma pequena tatuagem verde escura no pulso esquerdo, ladeado de duas estrelas de cinco pontas menores da mesma cor. Clarisse leu o que estava escrito ali, em letra manuscrita e em itálico: Agnes. Ela estava vestida de forma sóbria e elegante, usava um tailleur azul escuro em malha com design quadrado muito sofisticado. Usava um blazer curto em formato arredondado com decote em V, mangas três por quatro, com pequenas fendas nos punhos, fechamento com três botões, forrado, saia com cós largo e pregas na frente zíper na lateral. E por fim uma flor branca pregada na lateral esquerda, entre o ombro e o coração, quebrava um pouco a clima formal do traje. Clarisse deduziu que ela era uma estudante estrangeira pós-graduanda em belas artes ou cadeira correlata, pelos trejeitos da jovem senhora e pelo perfume extravagante e da maquiagem, muito carregada para uma executiva. Também não passou despercebido, para Clarisse, as olheiras da jovem senhora, e o olhar vazio e perdido, para o outro ao lado dela. A outra ponta do casal era senhor de idade indefinida, de pela negra que brilhava na luz do sol, rosto sem barba e o cabelo cortado à moda militar. Ele trajava um clássico paletó azul escuro, calça da mesma cor, colete e vestia sapatos marrom de crocodilo Oxford preto. Clarisse deduziu que se tratava de um estrangeiro também, um africano provavelmente, um professor visitante, ou mesmo um adido cultural. O homem era todo sorriso ao ver o embrulhado delicadamente, passando das mãos da balconista para jovem promotora sênior de vendas.
— Mais uma boa venda amiguinha Aninha? — Falou Clarisse furiosa para a vendedora sênior, que nada sabia de literatura, atendendo aquele elegante casal. Ela calculou que era o livro As cinzas da horas mudando de mãos.

E qual o motivo da Anna Victória atender os dois pessoalmente e não ela, a resposta veio rápido, o homem estrangeiro falou em francês com Anna Victória. O homem falava francês com uma elegância aristocrática, um sotaque de Paris e Anna Victória o respondia com um sotaque canadense. Ele tomou o livro embrulhado da empacotadora e agradeceu e logo mostrou para a jovem senhora ao lado dele. A teuta sorriu amarelo para o elegante senhor africano, e esse engole o sorriso e se vira a moça dos, ele deu um cartão e fala em francês que Anna Victória logo repassa para a balconista e traduz o que o homem acabara de falar.

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