quarta-feira, 1 de março de 2017

CLARISSE CRISTAL NA REALIDADE LIQUEFEITA

Por Samuel da Costa (Itajaí, SC)

Os outros são um detalhe alheio,
A nós mesmo,
As nossas próprias existências liquefeitas
Parada diante do estúdio de tatuagens, Clarisse tomou fôlego e por fim decidiu entrar no recinto. Medos, dúvidas e receios agora eram coisas do passado, se evanesceram no ar com a claridão da luz do dia. O temor de sentir dores e das marcas indeléveis no corpo já nãos existiam mais.
— Tu vai ficar ai! Parada por muito tempo? Espantando a minha fiel clientela! — A voz fluiu melodiosa pelo ar, apesar do tom grave, das palavras proferidas, que saíram do interior do estúdio. Clarisse adentrou, e sentei uma estranha sensação de nostalgia a percorrer-lhe o corpo inteiro, ao ser tragada, pela escuridão da antessala do estúdio. Ela esqueceu totalmente do celular, último modelo, que a mãe dela lhe dera de presente há pouco tempo. O aparelho moderno jazia em mil nanos-pedaços, no meio da rua movimentada. A culpa não foi da jovem bibliotecária, pois o aparelho vibrou e depois tocou, assim que ela saiu da livraria. Clarisse logo imaginou a cena toda, Anna Victória ligando, em prantos, para mamãezinha querida dela, em seguida um conversa breve, chorosa e rápida. E esta última ligando para a mãe de Clarisse, que liga furiosa para a filhinha rebelde e malcriada. A moça então põe fim ao melodrama, espatifando o aparelho no meio da rua com muita força sem sequer atende-lo.
O estúdio de tatuagens era amplo e moderno, com vários espaços, separados por biombos, estúdios menores dentro de um grande estúdio. Clarisse longo percebeu, no ambiente maior, uma grande lousa digital na lateral esquerda do amplo estúdio, vários cavaletes de muitos tamanhos aqui e ali, notebooks, tabletes de vários modelos e tamanhos, vários estojos de lápis aquarelável supracolor, muitos sprays de tintas, também de várias cores, tamanhos, marcas e preços, vários quadros inacabados em vários movimentos culturais e de escolas de belas artes. Era uma bagunça bem organizada, ali funcionava uma estranha mistura de escola de belas artes com estúdio de tatuagens.
— Então o que te trás ao meu humilde comércio? — Foi Cris, que fez a pergunta de maneira afável. Clarisse já tinha visto pessoas assim em revistas, filmes, reportagens na TV, em livros ou mesmo andando na rua mesmo. Cris era uma figura andrógina e estava de pé bem diante dela. Alta, pele amendoada, com os olhos castanhos rasgados, longos cabelos lisos e negros reluzentes, usava uma camisa física preta, esmalte negro despontavam nas mãos, calça larga e tênis de esqueitista. Mas a voz melodiosa e cheia de vida, a pele sedosa e o sorriso delicado denunciavam era uma mulher.
— Quero fazer uns riscos e furar as orelhas também, minha querida! Aceita cartão?— Clarisse riu sozinha com a própria tentativa patética de ser engraçada. — Os outros são um mero detalhe, alheio a nós mesmo, as nossas existências liquefeitas!— Clarisse leia a frase em voz alta e de forma imponente, que estava pintada na parede do lado direito cada palavra estava escrita com cores diferente e de fonte manuscrita. — Coisa de marqueteiro, metido a poeta frustrado me parece! Qual é o teu nome afinal de contas?
— Podes em chamar de Cris...
— Já sei: — Sua criada, pronta para te servir!
— Mais ou menos isso, começa a falar logo mais especificamente. O que queres minha querida? O que tu pensas em fazer nesse corpinho que Deus te deu?

— Quero fazer uma tatuagem de dragão, no meu braço e por um piercing na orelha!

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