quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

ENTREVISTA: ELIZABETH MISCIASCI

Por Paccelli José Maracci Zahler

 
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A jornalista Elizabeth Misciasci (EM) é também humanista, escritora, pesquisadora. palestrante, Embaixadora Universal da Paz no âmbito do Círculo Universal dos Embaixadores da Paz -(Cercle Universel Des Ambassadeurs De La Paix - Suisse/France)e presidente do Projeto zaP! E é para falar do Projeto zaP!, um trabalho voluntário e muito interessante, realizado nos presídios femininos que ela, gentilmente, concedeu esta entrevista para a Revista Cerrado Cultural (RCC).

RCC. Como surgiu a idéia de criar o “Projeto zaP!” (zelo, amor e Paz!)?

EM. Após anos de pesquisas e contatos com sentenciadas e egressas do sistema prisional feminino, para a produção da Obra Literária Presídio de Mulheres, pude detectar diversos problemas. Entre eles, uma gritante necessidade de receberem credibilidade, atividade ocupacional e amparo em suas carências.
O Projeto zaP! Nasceu de um concurso literário nos cárceres femininos.

RCC. Por que o trabalho é feito exclusivamente com mulheres encarceradas?

EM.Diferentemente da condição masculina, a mulher se autopune, anseia mudar os comportamentos e hábitos que a transportaram para o cárcere. As mulheres normalmente vivem em estado inquietador, seja este expressivo ou inibido, que levam algumas pela impotência diante dos problemas a profunda depressão ou incita exageradamente a dependência química.
Na medida em que a mulher perde a capacidade de optar, submetida a prescrições alheias que a minimizem, as suas opiniões já não são suas, já não se integra, adapta-se. Na adaptação, resta-lhe à margem tendo apenas ações débeis e defensivas.
Algumas por serem mães, sentem um peso a mais e a pena é sempre mais dolorosa, outras, por não terem familiares próximos, sendo arrimos de família, mas, principalmente, porque estas são literalmente abandonadas, o que ocorre na grande maioria dos casos. Diferentemente do encarceramento masculino.

RCC. O trabalho é feito por voluntários. Quais os critérios utilizados na seleção?

EM. Sim! Não ter vínculos criminais, nem interesses pessoais.
Enfim, acreditando que o momento de transito pertence muito mais ao amanhã, ao nosso tempo que se anuncia do que ao velho, é que atuamos pela ressocialização do ser humano.
Assim sendo, necessário se faz cada vez mais, que nossos voluntários, estejam dispostos e conscientes da ressocialização, para que se ofereça oportunidade de provocar no indivíduo em condição de pessoa presa, um sistema completamente diferenciado de educação, para que com outras preocupações e interesses se desvincule da mentalidade massificada, nutrida de pessimismo, limitação, resistência, indisciplina, ceticismo, enfim, peculiares na maioria da população carcerária, principalmente dos que passam o tempo no ócio.
O Projeto zaP! não é Uma Ong, não faz parte de nenhuma entidade Religiosa (busca sim, apoio para juntos sanarmos casos específicos) nem filantrópica, não recebe ajuda governamental, apenas complacência e consciência dos amigos do zaP! Não possuindo, portanto vínculos com instituições nem remunerações, apenas voluntários.

RCC. Quantos voluntários atuam junto à população carcerária?

EM.Uma média de vinte pessoas em nível de Brasil.

RCC. Costuma haver desistência entre os voluntários devido ao impacto com outra realidade, que é a vida dentro de um presídio?

EM. Sim, sem dúvidas!

RCC. Quais os critérios utilizados para a seleção das reeducandas?

EM. Atualmente desenvolvemos atividades, tendo como base a arteterapia. O trabalho do zaP! Não é feito só com as apenadas, mas com filhos, familiares, egressas (ex-sentenciadas), e estrangeiras. Tendo como critério as que querem se reabilitar.

RCC. O trabalho com as educandas dura quanto tempo? Equivale a um curso regular? Dura até o final do cumprimento da pena?

EM. Não existem prazos, mesmo porque não temos como determinar tempo, já que muitas são egressas, e não reincidentes.

RCC. O Projeto zaP! Subdivide-se em várias atividades: Festival de Músicas, Literatura, Festas e Eventos, Zelo, Amor, Paz. A senhora poderia tecer alguns comentários sobre cada uma delas, seus objetivos?

EM. Hoje, em razão da falta de recursos, e, proibição em algumas unidades prisionais não se pode aplicar todas as nossas atividades. Isso em detrimento principalmente dos órgãos governamentais locais, que não acreditam em reabilitação e não permitem que sejam feitas as atividades como era de hábito.

RCC. Qual a percepção das reeducandas sobre o Projeto zaP!?
É feito algum acompanhamento das educandas após a sua saída da prisão?

EM. Embora seja um trabalho difícil, principalmente pela primeira abordagem, para garantir que estejamos passando a credibilidade, segurança, e as possíveis “respostas” e oportunidades que a maioria busca. Enfim, para as que adentram as muralhas e não conhecem o zaP! o trabalho é mais lento, pois, acima de tudo, precisamos sentir a reciprocidade e a presença da vontade dessa reeducanda em se reabilitar.
- Por quê? Porque temos no sistema prisional (em especial o feminino) os mais diferentes perfis, e, conforme citei anteriormente, a mulher é totalmente diferente do homem, enquanto pessoa na condição de presa. Para cada tipo de mulher, há uma forma diferenciada de se aproximar.
Temos muitas que adentram os cárceres, em estado gravídico, bem como, as que foram detidas em fase de aleitamento materno, as que tiveram seus filhos atrás das cortinas de ferro, e não possuem familiares que poderão cuidar de seus bebes, as que acabaram de dar a luz na rua, e foram detidas... Isso tudo, é rotina infelizmente nos dias de hoje. E, se você, de início, não souber conversar com uma mulher nestas condições, dificilmente terá uma segunda “oportunidade”.
Há mulheres que sofrem distúrbios, as que “surtam”, as que apresentam sintomas agressivos apenas e tão somente no período do ciclo menstrual, ou seja, as que sofrem com a TPM, e, assim por diante.
Mais um aspecto importante a ser citado, mesmo porque é uma questão de estudos, pesquisas e respectivas estatísticas, a massa carcerária feminina, pode ser dividida em três categorias:

1- As que adentraram os cárceres, (o que na maioria das prisões femininas é “natural” e frequente), por terem sido levadas por companheiro ou parceiro, as que se sentiram momentaneamente motivadas, as que se arrependeram, portanto, querem recomeçar e é notório à vontade e necessidade de se reintegrar, a fim de resgatarem suas identidades pessoais, morais e sociais. Estas indubitavelmente querem se reabilitar! Eu posso dizer, que no conglomerado de mulheres prisioneiras no Brasil, deste todo o proporcional final é equivalente a 60% das mulheres em situação de prisão que possuem esse perfil, ou seja, que buscam a reabilitação e reinserção social.

2- Outro fator que necessita de especial atenção, diz respeito à categoria de mulheres, que de fato “são do crime” e, não demonstram a mínima vontade de sair deste. O que resulta atualmente, em um percentual de 20% da população carcerária feminina.
3- E uma terceira categoria, que denominamos “das que vão pra onde o vento soprar”... O que representa os 20% do restante do “todo” feminil encarcerado. Isso significa que, uma mulher, que não possui a menor perspectiva de vida, futuro e, torna-se apenas e de fato “um único numero a mais para apuração de quantidade” sendo que estas precisam de maior atenção, pois, se soubermos “abordá-la”, despertando confiança, parceria e motivação, com certeza, será “um numero á menos” a reincidir.
Na grande maioria das vezes, há por parte de muitas mulheres, a desconfiança, o receio e principalmente, o medo. Uma vez que, por ser a prisão ação delituosa, e pelo abandono, não conhece as regras que regem as prisões. Sem falar que, o abandono agrava esse medo e insegurança.

Outro fator predominante vem das que em detrimento de sua prisão bem propagada, principalmente quando há clamor público, (isso, independente do delito e participação ativa), quase sempre, se bloqueiam, e são muito mais vulneráveis e preocupantes. Pois, quase sempre, com o passar do tempo, estão abandonadas pelos familiares e amigos, portanto, caem no esquecimento apenas “do seu antigo meio”, contudo, jamais conseguem ser esquecidas pela sociedade.
São raros os casos em que estas mulheres, seguem suas permanências carcerárias, acompanhadas ou amparadas, e, quando o são, o acesso se restringe a poucos. O que dificulta trabalhar com a mesma.

Eu particularmente, nunca tive esse problema, pois, geralmente as unidades para onde essas mulheres são recambiadas, são dirigidas por pessoas que conhecem o nosso trabalho e ética.
Por estas razões descritas, com o tempo, aprendemos a priori, identificar as problemáticas e os diversos perfis. O que, nos permite a aproximação equilibrada, com a oferta necessária.
Temos parcerias com psicólogos, que muito ajudam nesse sentido.
E, por assim ser, a percepção das “nossas meninas” são extremamente positivas. Além das transformações percebidas e sentidas, nos surpreendemos em incontáveis situações, (que pareciam “perdidas” ou inviáveis), um retorno compensador, que na realidade é mais que isso! Já que ganhamos todos, principalmente a sociedade, enquanto nós, em contrapartida, perpetuamos amizades, e podemos presenciar mulheres que hoje, são marcantes em nosso trabalho, nos proporcionando continuamente orgulho e incentivos para nos motivar ininterruptamente, de verdade.
Quanto à pergunta complementar: - “É feito algum acompanhamento das reeducandas após a sua saída da prisão?” Sim, pois, se atuamos com reinserção e reabilitação, o principal é à saída dos cárceres, por isso nossa atuação efetiva com as egressas.

RCC. As reeducandas que passam pelo Projeto zaP!, Encontram mais facilidade de aceitação no mercado de trabalho ou ainda sofrem com o preconceito de serem ex-presidiárias?

EM. Ainda sofrem preconceitos, lógico! Mas, a maioria não tem enfrentado tantos problemas como antigamente. Hoje, além da credibilidade que temos também a sociedade tem uma visão diferente de outrora. Acredito que “nossas reeducandas” e “egressas” tenham mais facilidade sim!

RCC. Em quantos presídios o Projeto zaP! Trabalha atualmente?

EM. Trabalhamos em qualquer local, desde que, possamos ter verbas para locomoção, e em unidades em que possamos atuar para somar positivamente e de alguma forma contribuir para que seja mantida a ordem, disciplina e necessite serem denunciados por atos “anormais”, abusos e constrangimentos.

RCC. Qual a receptividade do Projeto zaP! Junto à direção dos presídios?

EM. Na grande maioria, excelente!

RCC. Como a senhora avalia os resultados obtidos até agora pelo Projeto zaP!?

EM. Sem falta modéstia, tenho muitos casos, em que me orgulho por ter persistido, lutado e sinto-me honrada pelos retornos das meninas, dados e provados na prática e na conduta. Temos hoje, muitas mulheres que conseguiram se profissionalizar, muitas com universidade concluída, enfim, [transformaram-se em] outras pessoas indubitavelmente.

Nossos agradecimentos à jornalista Elizabeth Misciasci pela entrevista.

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