sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ENTREVISTA: JORGE AMÂNCIO

Por Paccelli José Maracci Zahler

 
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A data de 20 de novembro foi estabelecida pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, como o Dia Nacional da Consciência Negra, pois nesse dia, em 1695, morria Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Para comemorar a data, entrevistamos o professor, poeta, acadêmico da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, e ativista do movimento negro, Jorge Amâncio.
A entrevista foi feita por correio eletrônico.
Em nosso nome e em nome da Revista Cerrado Cultural, agradecemos ao Prof. Jorge Amâncio a gentileza de receber-nos virtualmente.

RCC: Antes de vir para Brasília, em 1976, o senhor já se dedicava à poesia ou foi o ambiente da cidade que o inspirou?

JA: O interesse pela poesia veio desde cedo. Creio que no jardim de infância, na igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro, em Ramos , uma poesia que lembro até hoje me fisgou ... o sapo sapinho/é nosso amiguinho/repare nas flores/ não são uns amores /pois fique sabendo /que o sapo sapinho /é nosso amiguinho/ele cuida das flores/ dos insetos daninhos/o sapo sapinho/é nosso amiguinho. A paixão começou com os poemas publicadas pelo Jornal do Brasil, no caderno B, cujo redator era o poeta Reinaldo Jardim, nos anos 60, junto com os festivais de música e a descoberta da “black music”. Arriscava alguns poemas, sem qualquer compromisso, desde a adolescência. Brasília me mostrou a possibilidade de todas as poesias, de todos os poemas. Os concertos Cabeça, a Hora do Arroto na UnB , a geração mimeógrafo de Brasília, a cidade fervia em poesia e comecei a ter acesso a novos e “velhos” poetas brasilienses e, quando dei por mim, a poesia era parte de mim. A primeira publicação foi no jornal do Movimento Negro Unificado do DF, chamado Raça,e optei pela poesia engajada com a vida, com a minha negritude.

RCC: Sua biografia é marcada por uma forte ligação com o movimento negro. Na sua opinião, tem havido avanços na luta contra o preconceito racial?

JA: A queda do mito da democracia racial, a criação de um movimento negro organizado, a admissão de que, no Brasil, o negro ocupa o primeiro lugar nos cárceres, nas favelas, nos miseráveis.
Essas conquistas foram um grande avanço.
Agora, as consequências trazidas dessas conquistas, ainda deixam a desejar e, nós, negros, continuamos excluídos, herdeiros de uma fatia do bolo da escravidão, numa sociedade de valores escravistas. A intolerância religiosa, o combate às ações afirmativas governamentais ou não governamentais existentes hoje, são barreiras a serem vencidas. A busca do reconhecimento da igualdade exige educação do negro e do não negro, uma educação institucional, familiar, uma mudança de valores, uma libertação da herança do pensamento escravagista. São 123 anos da abolição outorgada pela Lei Áurea em quase meio século de escravidão.

RCC: Como o negro é visto pela sociedade brasileira atualmente?

JA: O racismo no Brasil produziu inúmeras facetas de se mostrar e a mais cruel é a negrofobia. Nós negros somos vítimas de negrófobos no dia a dia: ao sentarmos num ônibus e o passageiro ao lado grudar na bolsa como se guardasse a vida: ao entrarmos numa loja,somos seguidos pelo segurança; ao abrirmos a porta da nossa casa, nos perguntarem pelos patrões;quando ligamos a TV e não nos vemos. O Negro é invisível na sociedade brasileira.

RCC: O senhor poderia nos historiar as atividades do Centro de Estudos Afro-brasileiros e do Grupo Cultural Asé Dudu dos quais é fundador?

JA: O CEAB, Centro de Estudos Afro Brasileiros, foi fundado no ano 1978, e seu primeiro presidente foi o Dr. Carlos Moura, que mais tarde viria a ser o primeiro presidente da Fundação Palmares. O CEAB foi o primeiro movimento negro organizado de Brasília, com sede própria no Edifício Rádio Center, onde funcionou até os anos 90, hospedou um acervo de artes plásticas com obras expressivas da comunidade negra , exerceu influência política cultural no cenário nacional e internacional. O Grupo Cultural Axé Dudu surgiu em Brasília num protesto de carnaval. A música "Fuxico", um sucesso baiano, que trata a mulher negra pejorativamente. Em Brasília, um grupo de pessoas lideradas por Lecino Ferreira, criou o bloco Afro Asé Dudu em 1986. No ano seguinte, ingressei na no bloco e fundamos o Grupo Cultural ASÉ DUDU que, na capital, com ensaios, apresentações no Bar Bom Demais, todos os sábados, tornou-se um ponto de referência para a comunidade negra do DF. O Grupo desfila nos dias de Carnaval, mostrando a cultura afro-brasileira ao DF. Hoje, o Grupo é sediado em Taguatinga, está ligado à religiosidade afro-brasileira. Apresenta-se e desfila no Carnaval brasiliense. "Asé Dudu" significa "Força Negra" em yorubá, onde o “ésse” (s) tem um ponto embaixo e soa como um xis .

RCC: Como filiado ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal – SEDF, o senhor ocupou o Departamento do Negro em 2005. Poderia nos falar sobre o trabalho desenvolvido e sobre os resultados obtidos?

JA: Foi na gestão da Drª Meireluce Fernandes como presidente da entidade. Realizamos três saraus na Feira do Livro de Brasília, onde um dia era dedicado â causa negra. O público prestigiava pelo desconhecido, pela surpresa. Na atual gestão, o Departamento do Negro foi extinto sem qualquer comunicado. A causa negra sofre pelo isolamento dentro de qualquer entidade que a aceita. “Dei a chance agora cabe ao negro correr atrás”. Fato que ocorre nas esferas governamentais, nas esferas sociais, em todas as esferas onde exista o negro e o não negro. Foi assim na abolição – “ ...declaro livre todos os escravos e descendente de escravo, agora se virem...” .

RCC: Ocupando a cadeira nº 16 da Academia de Letras do Brasil, Seccional Distrito Federal, o senhor escolheu como patrono Solano Trindade. O que o inspirou na escolha? Poderia nos falar sobre a importância do seu patrono na Literatura Brasileira?

JA: A escolha de Francisco Solano Trindade para meu patrono na ALB- DF é por ele ter sido um Homem das Artes, que o diga a cidade de Embu das Artes, e, principalmente por sua poesia de linguagem direta, carregada de negritude, uma poesia que mostra a cor da fome, o descaso com o ser humano, um poeta da resistência negra. O poeta preocupava-se com o povo, com a valorização da cultura negra e a desigualdade racial no Brasil. Pernambucano de Recife, Solano Trindade foi um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida. Em Embu, Solano virou nome de uma rua no centro expandido da cidade. Nesse mesmo município, sua filha Raquel criou o Teatro Popular Solano Trindade e, juntamente com ela, netos e bisnetos do artista cuidam para que a memória do Poeta do Povo permaneça viva. No Recife, cidade natal do escritor, uma estátua de Solano, em tamanho natural, feita pelo escultor Demétrio, encontra-se no Pátio de São Pedro. No Rio de Janeiro, uma biblioteca leva seu nome e, no Museu Afro-Brasil, dentro do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma foto (“feia”, na opinião de Raquel) e um quadro relembram o artista. Seus poemas transpuseram fronteiras, fazendo com que ele conquistasse admiradores em países como Tchecoslováquia e Polônia. Solano Trindade transcende a literatura brasileira foi um homem das Artes.

RCC: Sua ligação com a Umbanda transparece um desejo forte de ligação com os seus ancestrais ou uma forma de consolidar sua identidade afro-brasileira, como expressa no poema RELIGÁFRICA?

JA:Cresci com a simbologia e a religiosidade da Umbanda. Quem me trouxe ao mundo é uma Yalorixá, Mãe de Santo umbandista, na casa do Caboclo Guiné. Hoje, minha mãe está com 87 anos, em pleno exercício de sua missão. Sou filho legítimo de Mãe de Santo, cresci com Oxalá na imagem de Jesus Cristo, Xangô como São João, Yansã é Santa Bárbara, Ogum é São Jorge. Cresci sabendo que a África é o útero da humanidade, que religião é religar, religar ao primo ponto, o big bang da humanidade.

RCC: Embora ativista do movimento negro, sua poesia MUNDO SEM FRONTEIRAS, quebra a dicotomia marcada pelo preconceito de raças, religiões, posições sociais. O senhor diria que foi o resultado de um amadurecimento do poeta por um mundo mais igualitário?

JA: A fome, a miséria, o analfabetismo têm cor nesse mundo, neste planeta dominado pela ganância, pelas armas, pela distribuição do capital. A Paz tem no caminho a igualdade, a igualdade requer mais do que um olhar, requer justiça.
Quando opto por falar em discriminação, em injustiça social, em intolerância religiosa, quero a Paz Universal e creio que a Paz, passa necessariamente pela igualdade, pela justiça. Somente abolindo as fronteiras (interiores e exteriores) a Paz será atingida. "Mundo sem Fronteiras" é um poema para Paz, para que o homem independente de credo, cor, sexo, veja o outro como semelhante.


RCC: Fale-nos sobre o evento POEMAÇÃO coordenado pelo senhor e pelo Sr. Marcos Freitas e que ocorre no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília desde 2009.

JA: O Poemação surgiu durante a primeira Bienal Internacional de Poesia – BIP, realizada de 3 a 7 de setembro de 2008. O Poemação, projeto idealizado por Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília e idealizador do evento, consistia em sessões de recital de poesia e de canção, além de projeções de vídeos poéticos, em sequência de apresentações, com programação pré-definida para poetas da cidade, nacionais e estrangeiros, mas abrindo também espaço a apresentações espontâneas de outros interessados em participar.
Na I BIP, o Poemação foi realizado no Café do Conjunto Cultural da República, no Café Literário da Feira do Livro de Brasília, no circuito noturno da cidade, em espaços como: Café Martinica; Bistrô Bom Demais (CCBB); Rayuela Bistrô e Livraria; Café com Letras, assim como no SESC Taguatinga e na Casa do Cantador (Ceilândia), entre outros.
No desejo de continuar o projeto, o professor Antonio Miranda convidou os poetas Marcos Freitas e Jorge Amancio para coordenar o Poemação, no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília.
Jorge Amancio e Marcos Freitas vinham da montagem do primeiro e último Sarau Ponta da Asa, um espaço para a Poesia Brasiliense, no Espaço Cultural Café Itália, abrindo suas portas na primeira terça-feira de maio, dia 5, para o 1º SARAU PONTA DA ASA, com o projeto de mostrar a poesia brasiliense na sua totalidade. Apenas o primeiro foi realizado.
O Poemação tem presença garantida poetas de Brasília, Ceilândia, Gama, Guará, Planaltina, São Sebastião, Taguatinga e outras Brasílicas. A poesia em suas diversas facetas é apresentada pelo Poemação. Poetas brasilienses são homenageados, com a obra revisitada. O Poemação privilegia a poesia e o poeta divulgando e revelando talentos. Está na sua vigésima quarta edição, em dezembro de 2011.
O primeiro Poemação foi realizado no dia 4 de agosto de 2009, terça-feira, no auditório do 2º andar, da Biblioteca Nacional de Brasília, tendo como poeta homenageado Antonio Miranda; seguiram-no Ruiter Lima e Carlinhos Piauí, com um recital poético-musical nordestino; Cristiane Sobral com a poesia negra; Marina Andrade com uma leitura musical de Augusto dos Anjos, e ainda Ivan Monteiro, Meireluce Fernandes e Menezes y Morais. E até hoje - no vigésimo quarto sarau videoliteromusical Poemação - inúmeros poetas mostraram seus trabalhos. Músicos, cantores, atores e atrizes também nos deram a honra de suas participações. Poetas como Nicolas Behr, Angélica Torres, Chico Alvim, Ézio Pires, Vânia Diniz, Cristiane Sobral, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda e outros, foram homenageados pelo Poemação e José Santiago Naud será o próximo homenageado, no dia 6 de dezembro de 2011
Os coordenadores do Poemação Marcos Freitas e Jorge Amancio agradecem a colaboração de todos os poetas, organizadores de saraus, músicos e atores que participaram dessas vinte quatro edições do Poemação.


RCC: Sempre se houve falar que não existe espaço para a poesia, pois ela não consegue conquistar leitores. Qual a sua opinião a respeito?

JA: Leitores e poetas existem aos milhares. Quem não escreveu uma poesia na vida? Creio ter havido um movimento para colocar a poesia em um plano abaixo das outras formas literária pelas editoras. Congelando a poesia a “alguns” poetas, colocando a poesia como uma forma de difícil entendimento, estigmatizando a poesia. Em Brasília, a lei Orgânica do Distrito Federal (art 235 § 2º) recomenda o ensino da Literatura brasiliense nas escolas. Sugiro a modificação para a "obrigatoriedade", visto que pouquíssimas escolas no DF trabalham com os autores locais e que esta "obrigatoriedade" seja expandida para todos os Estados do Brasil. A poesia não perdeu espaço. Hoje, lê-se muito mais poesia. Se ela não vende, culpo as editoras, as distribuidoras, a mídia literária, os professores que, estáticos, não perceberam que a poesia é dinâmica, é o reflexo da sociedade. Brasília, pela sua multiplicidade, produz, hoje, uma poesia nova, interativa com o mundo atual. No último concurso do SESC, em âmbito nacional, para a escolha de 35 poetas do Brasil, 12 (doze) eram brasilienses. Um terço dos poetas é daqui e isso é significativo. O Poemação, nesses anos, tem conseguido lotar o auditório da Biblioteca Nacional de Brasília "Leonel de Moura Brizola", o que prova que poesia tem público, tem leitores. A internet possui inúmeros sites, blogs, grupos, comunidades voltadas para a poesia. O que falta são novas estratégias, novos olhares, pois, espaço a poesia tem.

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